notas de observação sobre experiências de fruição com
alunos do ensino básico
Nas Diretrizes
Curriculares, somos orientados a organizar os conteúdos relacionando-os com a
realidade do aluno e de seu entorno. Ou seja, a partir de seus referenciais
culturais. Mas quais seriam esses referenciais culturais?
As orientações ao se
referirem a uma arte regional, ignora que os referenciais artísticos mais
próximos da maioria dessas crianças e jovens são os globais, amplamente
veiculados pela indústria cultural.
Tais impasses na
organização dos conteúdos colocam em relevo uma das bases do ensino de Arte que
muitas vezes é negligenciada: a fruição.
No ensino de Arte na
educação básica, pelo menos três pilares sustentam uma boa compreensão de dinâmica
de apropriação das linguagens e seus códigos. São eles contextualização, a
produção e a fruição. Geralmente nos atentamos (muitas vezes devido às
condições de trabalho, formação e interesse) as duas primeiras, que são
fundamentais para o desenvolvimento dos conteúdos. Entretanto, a fruição como
elemento formativo favorece o amadurecimento das duas primeiras.
Estar diante do próprio
objeto de arte, é ter materializado diante de si, problemas abstratos, muitas
vezes distantes e irrelevantes para o aluno. A presença física do objeto (ou
como queiram: obra), força o indivíduo, pela violência de sua presença, a criar
ferramentas de apropriação. A estabelecer relações. É uma forma de contato de
inteligibilidades.
Foi isso que vivenciei
como professor-público (me senti quase um voyeur) durante o mês de maio,
acompanhando turmas do ensino médio e sextos anos em visitação à Dap – Divisão de
Artes Plásticas da UEL. Durante duas semanas, observei as mais variadas formas
de apropriação, da repulsa a um interesse inexplicável por determinados
trabalhos. Pude notar a importância do tempo livre para a construção do saber. Um
tempo livre direcionado, em um espaço que toda ociosidade direciona a um novo
contato, a uma dúvida.
Nestas visitas ficou
evidente, ao menos em minhas observações que o contato com o espaço se
estabelecia em três estágios, nem
sempre harmônicos, mas sempre presentes: a observação
do espaço como uma busca curiosa das informações visuais ali dispostas; a mediação,
o momento mais tenso do processo, pois é o trazer o aluno a uma certa ordem de raciocínio
que exige dele a organização das informações recolhidas no primeiro contato. A exposição do contato com o objeto de arte momento que ocorre ainda na
mediação, mas que se estende ao espaço escolar na forma de dúvidas e
associações. Associações estabelecidas dentro do espaço expositivo, instigadas
pela mediação que cumpre o seu papel de não dar respostas de nada, mas sim
construir possibilidades, de relacionar conhecimentos, e tornar próximos os
conhecimentos em contato.
Durante minhas permanências
junto aos grupos que se formavam junto aos trabalhos, ouvi os mais diversos comentários:
Nosso!
Isso é arte? Então eu também faço arte.
O
que que é isso professor?
Que
lindo! Adoro gatos. Mas o que ela quer dizer com essas palavras?
Porque
que um cara junta fotografias na rua?
Eu
não entendi isso.
Diante de tantas dúvidas,
minhas respostas se mantinham quase que mecânicas: Leu a legenda? Observe a imagem e guarde bem a sua dúvida para o
momento de debate. Entre os jovens de ensino médio, essas perguntas eram frequentes,
havia certa curiosidade no ar que se limitava a procurar a resposta mais rápida
e prática possível: o professor.
Com as crianças de
sexto ano, a experiência ganhou outra dimensão, as mesmas procuravam construir
suas relações, associações espontâneas:
É
uma ABC de marca.
Esse
macaco está empalhado. Porque que o artista desenhou o macaco morto?
É
um monte de casinha. Que nem um robô.
Essas e outras
observações mais construíam respostas que indagações. Memórias afetivas
afloraram durante a mediação, não faltaram exemplos para relacionar aquilo que
estava sendo exposto e os diversos contextos trazidos pelas crianças.
Dentre tudo que se
disse sobre as apropriações do espaço, talvez o olhar mediado, seja o que mais
me despertou a atenção. Indiferente da idade, todos viam, se
relacionavam com os trabalhos expostos, mediados por seus aparelhos celulares e
suas câmeras. O olhar em boa parte do contato, foi filtrado por um monitor.
Esse período de
visitação à Dap correspondeu à formação dos alunos que vivenciaram tal experiência,
ao desenvolvimento concreto de um conhecimento estético significativo,
diretamente relacionado à apreensão do objeto artístico e a seus estímulos sensíveis
e cognitivos.
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ResponderExcluirProfessor André Camargo Lopes.